falar de o último suspiro do mouro, de salman rushdie, é falar de uma viagem às verdadeiras consequências dos descobrimentos portugueses, é falar dos verdadeiros motivos que nos levaram a empreender tão grandiosa e louca aventura. e é falar da ganância do ódio da intolerância religiosa da sede-de-poder e do amor nas suas mais diversas formas. este é, na realidade, um conjunto de temas transversal à obra do mais-que-fenomenal rushdie; mas quem sou eu para conseguir falar disso com eloquência? peço que me perdoem por esta fraca tentativa não de o fazer, mas de falar sobre o que mais me tocou, quem sabe, neste épico extraordinário. vamos então a isso, numa divagação desonesta pois pouco conheço da verdadeira história (na escola só aprendemos a glória e numa fúria ultra-nacionalista):
este romance retrata magistralmente a saga da família gama-zogoiby com o seu império assente no comércio do grão de pimenta, contado na primeira pessoa pelo último dos seus descendentes, morais zogoiby "o mouro", que ao longo de 4 capítulos se debruça, respectivamente e por ordem sobre os seus antepassados, a sua mãe, o seu pai e ele próprio. uma narrativa épica, bem ao gosto de rushdie, que retrata exemplarmente as convulsões de uma família dividida pela sede de poder que sempre pareceu estar prestes a implodir como a própria india sempre esteve e, pelos vistos, sempre estará. os colonizadores, primeiro portugueses (em pequena escala mas grandes em poder) e depois os ingleses que nunca a conseguiram compreender, dominam pelos piores motivos, poderia ser de outra forma?!, uma terra ancestral, uma cultura muito anterior à sua dividida cada vez em maior escala pela intolerância relgiosa: cristãos contra pagãos, hindus contra muçulmanos, no fundo poderosos contra peões...
onde é que já vimos isto?! pois é, está todos os dias nos telejornais; de tanto serem espezinhados e sem mais nada a perder, enquanto os grandes fecham os olhos e enchem os bolsosm, os mais fracos amotinam-se, revoltam-se cegamente e tornam-se alvos fáceis do fanatismo encapotado normalmente sob o manto da religião.
também a família gama-zogoiby sofre do mesmo mal: os antepassados, cristãos, não se entendem e quase causam a destruição do seu império fabuloso; a tal ponto que foi um muçulmano olho-vivo-nos-negócios a erguê-lo das cinzas para uma dimensão nunca antes vista, só que à custa de outros negócios menos claros e sempre mantidas na penumbra pelo escritor, enquanto a sua mulher aurora, a verdadeira herdeira, se dedicava totalmente à sua pintura, arte onde era insuperável nessa vasta índia, com todo o seu orgulho individual num país onde o individuo quase não existe. claro que também ela se tornou odiada-amada, um alvo fácil do fanatismo numa terra em convulsão...
só na teceira parte começamos a ter um vislumbre do verdadei império dos gamas, e do homem que o construíu, abraham zogoiby, o antigo chefe do armazém das especiarias, e do pântano em que ele se movia. já o narrador tinha sido deserdado e era, por conveniência, um braço armado do seu inimigo cada vez mais poderoso.
o quarta parte vou deixar à vossa consideração, não quero estragar a caminhada do mouro, mas digo-vos desde já, que é reveladora!
todo este romance é construído paralelamente às obras artísticas a que aurora dedicou a sua vida, os quadros do mouro, através dos diversos periodos-capítulos em que retratou a sua vida e a vida do seu filho. e isto é conseguido de uma maneira assombrosa, ou não fosse ela a verdadeira visionária da estória e da história...
em suma: um romance extraordinário, por vezes algo longo mas que tem o condão de nos fazer rir e de nos fazer pensar, de nos fazer compreender e de nos fazer sonhar; mas que acima de tudo é a história da condição humana nas suas mais divergentes facetas. uma viagem intemporal em que o caminho é mais importante que o destino e que nos mostra o que nós nunca conseguimos ver: a "verdade" por trás dos acontecimentos, o amor no ódio, a alegria no despero, o Homem no homem.
este é um daqueles livros em que se quer chegar ao fim, mas quando já estamos nas imediações não queremos que termine, simplesmente imperdível!
a minha classificação: 10 em 10
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1 comment:
Um dos meus romances preferidos.
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